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A Justiça - 2º Episódio: A Revolução Social de Sólon em Atenas

A religião hereditária e os aspectos da sociedade

A Justiça - 2º Episódio: A Revolução Social de Sólon em Atenas

Na República Romana[1], a Lei das XII Tábuas resultou da luta entre a plebe e o patriciado.

Em 462 a.C um tribuno da plebe propôs que se criasse uma magistratura de 5 membros com o encargo de elaborar um Código para a plebe.

Temerosos, os patrícios, percebendo que isto acarretaria a completa separação entre plebe e patriciado enviaram em 454 a.C. uma embaixada à Grécia para estudar a legislação de Sólon[2].

De fato, Sólon enfrentara situação semelhante e, mediante LEI, deu segurança à clientela, cortando o poder dos eupátridas – patrícios - sobre a terra mãe.

Confirmava Roma a grandeza de discernimento de Sólon e a revolução de sua ação ética.[3]

 

                         A religião hereditária e os aspectos da sociedade

  

Conta-nos o historiador Fustel de Coulanges[4] que a única forma conhecida de sociedade, por longo tempo, foi a família. Cada uma tinha seus deuses, sua religião e sacerdócio e estava sob a autoridade de um único chefe. 

A religião hereditária impregnava todos os aspectos da sociedade: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade. 

O lar está ligado ao solo. Sobre o solo, impunha-se o marco sagrado e inviolável, identificando a quem pertencia, o patrono e seus descendentes. A propriedade estava estigmatizada por um marco religioso, inviolável e inquebrantável. A família ali manterá a sua residência permanente. 

Os deuses são os antepassados de cada família. Isto significa que cada pessoa terá como deuses apenas os antepassados da família à qual pertence. 

A religião patriarcal não admite estranhos. Os que chegavam tinham de passar a partilhar do seu culto para serem nela admitidos. Ao aceitar fazer parte da família o estranho submete-se à servidão. 

Realizava-se, então, um ritual semelhante ao da adoção. Após, o estranho integra-se na família passando a praticar o seu culto. Perde a liberdade e liga-se a ela até a morte. Mesmo liberto pelo senhor, jamais por si e sua descendência poderá deixá-lo. O vínculo era o culto e esse era indissolúvel. 

Assim os clientes ligavam-se ao senhor por toda a sua vida. Não podiam, inclusive, casar sem o seu consentimento e a escolha tinha de ser, por ele, homologada. 

Não podiam ser proprietários. 

Convivem, então as duas classes: a dos patronos ou eupátridas e a da clientela ou servos. Os eupátridas eram os homens livres, os chefes aos quais pertencia o sacerdócio, a terra, o resultado das colheitas. O senhor era também juiz. Podia julgá-los, inclusive condená-los à morte, apoiados apenas nas regras da tradição. Não havia leis.  

Houve um estágio intermediário, quando a clientela obteve a posse da terra pagando um “fôro” ao senhor, fixado na sexta parte da colheita. 

Mesmo assim o vínculo e as desigualdades foram se tornando um fardo pesado e odioso. 

Acresça-se que não havia lei que garantisse o que obtinham encontrando-se sempre em insegurança. Se estes não pagassem ao patrono o que deviam, (e, esta dívida só poderia ser o foro porque mais não tinham), eram conduzidos à servidão perdendo os direitos que haviam alcançado. 

Os eupátridas endureceram e mantiveram a situação insuportável à clientela. A aristocracia continuou a administrar a Justiça segundo a tradição, sem leis escritas. 

Travou-se em cada família uma luta interna. A oposição entre a clientela e os homens livres levou-a a exigir leis escritas. “Dike”, significando “cumprimento da Justiça” passou a representar a luta de classes. 

É quando se levanta a figura de Sólon, poeta consagrado e grande legislador, criador de uma obra que objetivava a realidade política. Foi considerado pelos gregos como um dos setes sábios da Grécia antiga. 

Sólon, o legislador será o divisor de águas. Tem o dom do fino discernimento. Percebe as distinções das condições e circunstâncias e age como tal. 

Tem plena consciência do papel da LEI na formação do homem político e da sua força educadora. A lei é impessoal e dirigida a todos. 

Os homens prudentes concordaram em confiar a Sólon o cuidado de acabar com as brigas e afastar maior desgraça. 

De fato, a falta de pagamento do devedor não podia transformá-lo em servo do credor. 

Mais do que isso: o marco sagrado das terras tinha de ser derrubado. Tirou então, a escravidão da Terra Mãe e pôs a terra fora da religião. 

Tinha de fazê-lo. Foi ao âmago da questão: a terra tinha de ser livre para que a propriedade pudesse ser de todos e todos pudessem ser livres.

                “Arrancara a Terra à religião para entregá-la ao trabalho”. 

E, revelou estes fatos, em versos próprios:

               “Era obra inesperada, diz este; realizei-a com a ajuda dos deuses. Atesta-o a deusa-mãe, a Terra negra, de onde em muitos lugares arranquei os limites, a terra que estava escrava e agora é livre”.[5]

Fazendo isto, Sólon operara formidável revolução.

                “Pusera de lado a antiga religião da propriedade que, em nome do deus Termo inamovível, retinha a terra em pequeno número de mãos. Suprimindo o direito do eupátrida sobre o solo, suprimiu também sua autoridade sobre o homem, e só nesta ordem de ideias pode, com muito acerto, vir dizer-nos nos seus versos:”

                 “Tornei livres aqueles que sobre esta terra suportavam a cruel servidão e tremiam em frente de um senhor.”[6] 

As leis são as mesmas para todos. 

Sólon preocupava-se com a justa medida e os próprios limites:

                O mais difícil, porém, é chegar à percepção inteligente da medida invisível, ao fato de todas as coisas terem os seus próprios limites.”... “O conceito de medida e de limite, que ganhará importância tão fundamental na ética grega, revela claramente qual é o problema que se situa no centro do pensamento de Sólon e do seu tempo: a aquisição de uma nova forma de viver, por meio da força do conhecimento interior.”[7]

Sua poesia expressa a sua sensibilidade e a consciência ética.

Revela grave e apaixonado sentido de responsabilidade comunitária. E também, o problema da responsabilidade da participação do Homem no seu próprio destino.

  

[1] A República Romana de 500 a.C a 27 a.C.

[2] Sólon, (Atenas, 638 a.C e morte, em Atenas, em 558 a.C.), legislador, poeta.

[3] José Carlos Moreira Alves, in “Direito Romano”, 18ª edição, Forense, 2018, pág. 26.

[4] Fustel de Coulanges, in “A Cidade Antiga”, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1981, págs. 271, 276 e segs.

[5]A Cidade Antiga”, Fustel de Coulanges, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1981, pág. 279.

[6] Ibidem.

[7] Werner Jaeger, PAIDÉIA, “A formação do Homem Grego”. “Sólon: Começo da formação política de Atenas”, Martins Fontes, Editora Universidade de Brasília, 2ª Edição Brasileira, janeiro de 1989, pág.129.

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